quarta-feira, 31 de julho de 2013

Será que Ele achou que eu era o escolhido?


Deus veio até mim naquela noite de sexta-feira
eu sozinho em casa amargurado
Ana Cristina me deixou
(Não, Ana Cristina não é minha namorada.
Ana Cristina é minha irmã)
e só pra completar essa informação -
que na verdade eu não queria dividir -
ela me abandonou pra morar com um junkie
de quinta categoria
de nome Damásio
(Ou era Demétrio?
Ah! Que diferença faz a essa altura do campeonato?)
Voltando ao assunto que importa:
Deus veio até mim
estava de chinelos e bermuda
e eu estranhei aquele visual
meio surfista do posto 9
meio profeta gentileza
(Sim, porque a barba ele não fazia há tempos.
Tanto que eu o confundi com Noé)
Ele - como já disse: Deus - olhou para mim
encarou de frente e disse:
"Meu filho, assim não dá mais".
Perguntei o que não dava mais
e ele disse um tudo que arrepiou até a minha alma.
Falou de meus pais
que se divorciaram no ano passado.
Falou da minha irmã
(disse que ela não volta mais)
e eu quase bati nele.
Falou das minhas últimas três ex-namoradas
(Só para constar: Lisette, Annette, Francielle).
Falou que elas estão melhor sem mim
e que eu deveria também estar melhor sem elas.
Mas eu não estou melhor.
Estou cansado
cansado e amargurado
e de saco cheio
de gente me enchendo o saco
o tempo todo.
Ele foi embora
depois de meia hora insistindo
que eu deveria seguir em frente
e em determinado momento da conversa
Ele ficou foi mesmo falando sozinho
porque eu caí no sono
(sempre caio no sono
quando a conversa é chata ou repetitiva).
Final das contas:
Ele foi embora
mas disse que vai voltar
daqui a seis meses
para uma espécie de prestação de contas
(e eu achando que só as Casas Bahia
que enchiam a minha paciência).
Hoje é domingo.

Dá pra acreditar que senti falta de Deus?
Será que Ele aparece antes dos seis meses?

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Falso cordel sem rimas para um Moisés do sertão


Foi na porta do Cine Manhatã.

Parece até brincadeira...

Mas aconteceu.

Cinco da tarde em ponto
sol a pino
rua cheia de pedestres os mais desavisados
o centro comercial abarrotado de pechincheiros
mulheres bonitas em trajes sumários
o violeiro se esgolando em estrofes atrofiadas
o menino malabarista pedindo dinheiro no sinal
o vende-tudo com suas 1001 ofertas-relâmpagos
dessas que passam todo dia no mesmo lugar
e decoram o rosto dos clientes
os termômetros dos relógios quase entrando em curto-circuito
corpos suados onde quer que se olhe.

E ele apareceu

Adhenai
o Moisés do Novo Milênio.

Míseros 1.58m de altura
sotaque nordestino carregado
vestido todo de cinza da cabeça aos pés
dizendo (melhor gritando):
"a sociedade como conhecemos
acabará dentro de dez dias.
Arrependam-se seres malévolos,
pecadores ingratos
e almas conspiradoras".

Todos arregalam seus olhos,
surpresos.

Aquele homem surgira do nada
materializara-se
bem na porta do cinema
que exibia O Dia em que a Terra parou
em quatro sessões diárias.

Primeiro pensamento:
trata-se de uma campanha de marketing
cuidadosamente elaborada.

Logo a seguir
uma nova surpresa:
o dono do estabelecimento
sai esbravejando
querendo que aquele homem suma dali imediatamente.

Que está atrapalhando os seus negócios.

Mas de onde viera?
Quem era ele?
O que fazia ali?
Maluco?
Tentando ser algum mártir?
Esquizofrênico?
Que explicação melhor responderia
àquela figura exótica
que pregava um discurso alucinado
capaz de deixar o paz e amor dos hippies no chinelo?

Ninguém sabia.

E o pouco que sabiam
já era nonsense por demais.

Ele não se fez de rogado
e abriu uma espécie de pergaminho
contendo leis a serem seguidas
por aqueles que pretendiam sobreviver
à intempérie que se aproximava.

Em poucas palavras,
trata-se do seguinte:
1) não cobiçarás teu semelhante;
2) não aniquilarás teu inimigo;
3) não se mostrarás superior em nenhum momento;
4) não mudarás tua identidade por nenhum motivo;
5) dividirás o que tem em nome da solidariedade hu...

Antes que terminasse a quinta lei
foi agredido por um popular
que lhe atirou à nuca uma garrafa de cerveja.

Pensaram tratar-se de algum político
ou interesseiro querendo especular renda junto às pessoas.

Cercado de encontro ao muro do cinema
é golpeado ferozmente
por um bando de bad boys indignados
e só é socorrido depois de três minutos
de incisivos socos e caneladas
em pontos críticos do seu corpo.

É amparado para se levantar
mas continua sua ladainha
em vez de calar-se
o que gera novas manifestações de protesto.

Um militar reformado puxa seu 38
e atira no falso profeta
mas o projétil atinge o ombro da vítima de raspão.

A gritaria começa
corre-corre pelas ruas
crianças choram
uma mulher grávida faz um escândalo
do tipo performático e cinematográfico
uma senhora idosa tentando correr
cai
e fratura a bacia.

O terror.

A cidade que já tem fama de escândalos
revive seus piores momentos.

Desde 1999 não se via tumulto igual
e os moradores mais antigos
já viam as tragédias passadas
como favas contadas
meros verbetes a serem enaltecidos
em livros de história sobre a região.

"Uma pena",
pensaram então,
"vai começar tudo outra vez".

O profeta desvencilha-se
dos que o seguram pelos braços
e agora totalmente de pé
em tom mais ríspido e direto
começa a declamar passagens bíblicas
seguidas da frase
"arremetei, pobres infieis".

A plateia debocha
ri
escancara sua gargalhada
tomates e laranjas são jogados
o violeiro
que estava perdendo ibope
pra concorrência desleal
do maluco recém-chegado
cria de improviso
uma musiqueta que expõe de forma ridícula
as intenções do novo Moisés.

Ele avança furiosamente
em direção ao artista
gritando "Judas!"
mas é novamente seguro por dois homens
e levado a uma delegacia
onde é mantido preso
por mais de uma hora
para interrogatório maciço
e a persistir em seu juízo
é trancafiado numa das celas.

Durante mais de dez horas
manifesta sua revolta
sua palavra
pedem que o solte
que o fim está próximo.

E nada.

E passam-se os dias
e as noites
e o calor aumentando em intensidade
e mais pedidos
e súplicas
e 115.00o penitências praticadas
nas formas mais distintas
sem, no entanto,
nenhuma deles surtir o efeito desejado.

Nada.

Nada.

Nada.

A prisão transforma-se numa condição incômoda.

E com a paciência do profeta
termina também o prazo estabelecido
(e avisado) por ele.

E as mudanças
começam a se mostrar mais sensíveis:
o calor arrefece
chuvas esparsas começam a surgir
em pontos localizados
ventanias
plantações são destruídas
a delegacia passa a receber ligações
sobre acidentes e tragédias
envolvendo mortos em quantidade
nunca antes vista na história da cidade.

Pela primeira vez
alguns habitantes começam a considerar
a possibilidade de Adhenai
não ser o farsante que parece.

Mas ainda assim
Ele permanece preso.

Os alimentos esasseiam
as chuvas destroem
os meios de transporte existentes
mantendo a cidade incomunicável
com outras regiões.

Os que tentam formar grupos
com a intenção de procurar ajuda
em cidades próximas
não conseguem concluir seus planos
ou quando partem não retornam.

O número de homens mortos
nas últimas 48 horas
é praticamente superior a 35%
do total de homens de toda a cidade.

As mulheres
sentindo-se desprotegidas
e acreditando-se impuras
exigem a libertação do profeta imediatamente.

Mas quando finalmente
a voz da razão fala mais alto
e ele é procurado em sua cela
já não se encontra mais lá.

Como assim?
Temos um fugitivo?
Para onde foi o tal que previu tais catástrofes?
Estará ele por trás disso?
Terá nos enganado?

Contudo,
Ele deixa uma mensagem
numa pequena folha de papel.

Uma mensagem curta:
"embora seja tarde demais, tenham fé".

Um novo desespero se abate.

O volume de água em toda a cidade aumenta.

É apenas um aperitivo para a derradeira tragédia:
ondas gigantes de mais de 30 metros de altura
tomam a cidade de assalto
levando a vida de mais de 48 mil pessoas.

A última notícia que se tem sobre o fato
é a que consta do registro histórico nacional
do dia 15 de outubro de 2007
e relata que uma moça de nome Carolina,
suposta habitante da fatídica cidade,
teria sido vista a 20 km do que sobrou da cidade
andando em farrapos
e pregando um discurso religioso.

Pelo que consta
ela estaria atrás de um homem de vestes cinzas
e cabelos até a altura dos ombros.

E mais:
carregaria nas mãos
um tipo de estandarte
com dizeres católicos.

O bibliotecários e tabeliões
funcionários do prédio
alegam que tudo não passa de uma grande parábola
sem nenhum embasamento científico ou histórico
e alguns chegaram a afirmar com 100% de certeza
que tal documento não existe
bem como tal história é totalmente falaciosa.

Para mais informações,
não há com quem entrar em contato. 
Portanto,
terá que se virar sozinho.

Todo o relato até aqui
foi baseado em depoimentos
de "supostos" sobreviventes
e nenhuma de suas identidades
foi averiguada.

Quaisquer problemas futuros
são de responsabilidade desse falso cordelista
que se apropriou de fatos de cunho duvidoso
para criar tal história.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

...e tudo por causa das nádegas de April


É inevitável: toda mulher que desfila na rua vestindo calças justas de ginástica moldando o corpo será refém dos olhos capciosos dos homens que passam. Não interessa se a sua bunda é majestosa como a da Mulher Melancia ou magra como a da Gisele Bundchen, eles olham assim mesmo. Olhar é gentileza: devoram, perseguem, aprisionam as nádegas balouçantes que trafegam tranquilamente pelas calçadas, mal sabem elas o quanto são amadas e, principalmente, cobiçadas em sua majestade. No caso de April, uma americana que se mudara para o Rio de Janeiro para fazer o seu doutorado em Marketing Cultural, era uma situação à parte. Nunca se vira - pelo menos, até hoje - nádegas americanas como aquelas. Ela fugia completamente do estereótipo das mulheres dos EUA, verdadeiras tábuas sem volume. E tudo isso graças a três horas e meia diárias de exercícios e spinning. Os homens babavam como loucos ensandecidos diante de sua presa. Não tinha namorado e não havia notícias de que fosse lésbica. Simplesmente optara pela solidão momentânea. E os homens, ao saberem disso, a cortejavam diariamente, faziam de tudo por um encontro. E ela, perversa, dizia sempre não. Quando passava com sua minissaia rosa, então, era um Deus nos acuda. O número de acidentes nas estradas nunca aumentara tanto. 

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Plágio (2): Essa nova geração*


Oh cornuncópia de desajustados
falsos moralistas hipócritas de botequim,
tenho visto suas infâmias e difamações
espalhadas aos quatro ventos,
pegando mofo em becos sugismundos
fazendo parceria com ruas fétidas
e pessoas sem caráter,
tenho sabido de suas mentiras
contadas com requintes de genialidade
para suas pobres e incautas famílias
que mal sabem o que vocês fazem à noite,
tenho ouvido os gemidos eróticos
em escadarias e elevadores travados
frutos de mènages à trois
e outras práticas nada ortodoxas
de cunho sexual.
E enfim cheguei a conclusão
de que por mais porra-louca que eu seja
ainda sou mais normal do que todos vocês
pois ano de cara limpa pelas ruas
e não preciso disfarçar a voz
toda vez que preciso manifestar a minha opinião.
E pensar que um dia
não faz muito tempo
vocês - sim, vocês! -
tiveram mais escolhas mais opções na vida
do que eu.
Que desperdício!
E hoje não possuem mais
nem um resquício de realidade
no que quer que toquem, digam ou pensem.

Só uma pergunta final:
valeu a pena?

* (inspirado no poema "Saudação", de Ezra Pound).

terça-feira, 16 de julho de 2013

Minha tia Verônica

 
Minha tia Verônica é a única que levanta a minha moral quando eu não estou bem. Ela é uma mistura de Janis Joplin com Ana Cristina César e o seu humor está sempre mudando, mas mesmo assim ela é a pessoa das frases inusitadas, fortes, do apoio incondicional, daquilo que você precisa ouvir quando nada mais parece dar certo. Ontem mesmo eu estava amargurada, pensando se ainda valia a pena manter o meu relacionamento com o Arnaldinho, meu ficante há dois anos e meio, e ela veio com a seguinte pérola: "O sexo ainda está valendo a pena? Você ainda se sente plena nesse sentido? Então, fuck off o resto. Ela tinha essa mania de inserir expressões em inglês em suas conversas. Nunca estava chateada totalmente, mas just uspet. Não acreditava em namorados, do ponto de vista formal, mas em lovers. E tinha muitos. Sempre mais de um ao mesmo tempo. Gostava de French Fries, Profiteroles e Barbecue, não necessariamente nessa ordem. E só lia literatura de ficção-científica: Ray Bradbury, Arthur C. Clarke, Isaac Assimov... Certa vez lhe perguntei o porquê e ela me disse: "O fim do mundo está próximo, garota, e esses caras perceberam isso muito antes da gente. Não são simples escritores, mas profetas". E eu sempre ficava meio perturbada quando ela dizia isso, mas era só um pouquinho porque logo a seguir ela vinha com alguma palhaçada pra quebrar o clima depressivo.

Ah tia Verônica! Se não fosse a senhora eu estava perdida, sabia?

sábado, 13 de julho de 2013

Menina, cê não tá com essa bola toda não!

Você queria exclusividade em tempo integral
no momento em que eu mais estava atolado
de dívidas,
de trabalho,
de compromissos
e depois veio reclamar que eu não te dava
a atenção desejada e devida.
Foi isso mesmo que eu ouvi?
Ora faça-me o favor!
Será que é tão difícil assim entender
que o mundo não gira somente ao seu redor
e o seu umbigo não é a razão de ser
da humanidade caótica e apressada em que vivemos?
Ou será que você também perdeu mais essa aula na escola
porque estava ocupada demais,
toda cheia de si,
fazendo planos de grandeza
e se assoberbando 24 horas por dia
diante de um espelho infame
que se recusa a lhe dizer não?
Garota,
no dia em que você crescer me avisa,
quero estar presente para testemunhar
essa hecatombe global.
Pode me chamar de abusado se quiser,
mas a grande verdade
é que você perdeu o senso de ridículo
em algum momento da sua jornada voraz e solitária
rumo ao sucesso doentio e devastador
onde as almas carentes precisam de apoio
(melhor dizer: puxa-saquismo)
ininterruptamente
já que só assim
se sentem necessárias e disponíveis.
E o resto do tempo você aproveita
para pisar nos outros,
naqueles que quando você mais precisar
serão o seu bote salva-vidas
para longe de uma vida sem sentido e fugaz.
O que mais você quer?
Pedidos de desculpas não funcionam,
ajuda nunca é suficiente
pois seu estilo é caro
e difícil de bancar,
seus pré-requisitos são contraditórios e polêmicos
e quando os defende com unhas e dentes
eu tenho até medo do que pode acontecer com o resto de nós.
O que fazer então para, pelo menos, te entender?
Ainda dá tempo?
De te entender?
Porque senão pelo amor de Deus
me dá um help ou um alô (já basta)
já que eu não sou um ilusionista,
não gosto de jogos de adivinhações,
não sei ler a língua dos sinais
e sou péssimo em leitura labial
para entender esse rol de esquisitices
que você teima em chamar de língua.
E ainda diz que está na onda,
que o atrasado sou eu,
empacado no tempo e na vida.
Quero muito ajudar,
mas assim fica difícil.
Assim não há outro jeito,
senão concordar com a galera
que lhe rotulou dos piores apelidos
todos eles corruptelas da sua vaidade excessiva.
Se enxerga, menina,
e passa a ver as coisas
como elas são de verdade
e não esse espectro opaco de sentimentos vazios.
Acorda enquanto é tempo,
antes que a maré te leve pra bem longe
e você se transforme
em apenas mais uma memória de fim de semana
daquelas que volta e meia
(digamos de dez em dez anos)
retorna em reencontros de turmas de colégio
só para pichar ou lembrar das coisas loucas
que fulano, beltrano ou sicrano
falou, fez ou contou de vantagem em algum momento
e todo mundo acreditava
só pra não deixar a pessoa mal na fita.
É isso que você quer se tornar?
Uma memória barata e motivo de risada?
Um arremedo de gente
que teima em ser a número 1 pra tudo
e não suporta competições,
pois elas ameaçam a sua liberdade
e o seu ir-e-vir tresloucado?
Então, vai fundo.
Mas se não é disso que se trata,
pela última vez,
toma vergonha nessa cara andrógina
e admite pelo menos uma vez
nessa sua vida miserável
mesmo que seja a última
que você pisou na bola e feio
quando quis interferir na vida dos outros
como se tivesse esse direito
de decidir o que é bom ou ruim
para os demais.
Mas faz isso rápido
porque o relógio,
não sei se você reparou,
tá correndo contra você
e faz tempo.
Ele não para pra ninguém,
que dirá para uma patricinha
metida a besta que nem tu.
E aí?
Vai se mexer ou não?

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Conselho de mãe




"Nunca tenha medo de se apaixonar. Eu tive e olha o que foi que a vida fez comigo."

Ouvi essa frase uma única vez e nunca mais me esqueci dela. Minha mãe. Minha própria mãe. Um senhora distinta, de pouco mais de 70 anos, recém-viúva, pouca instrução. No dia do funeral de meu pai confessou: ele nunca fora o homem de sua vida. Ele foi o homem que a salvou de ser olhada na rua pelos vizinhos como a mulher encalhada, a que ninguém quis. O nome do verdadeiro amor da sua vida era Gérson. Mas não aconteceu. E não aconteceu não por culpa dos pais, que atrapalharam de todas as formas possíveis o relacionamento, ou por ele ser pobre, vagabundo, uma péssima escolha para marido. Não. Não aconteceu por medo dela. Medo de acreditar que poderia ter uma vida ao lado daquele homem. Medo por ter sido criada como a filha única, a queridinha da família, e acreditar que tinha uma dívida de gratidão com os pais para sempre. Medo porque ele quis ir além, construir sua vida em outro lugar, ao lado dela. E ela simplesmente fugiu da responsabilidade, se acovardou, repetiu o mesmo caminho de suas amigas patricinhas que viviam lhe dizendo para se afastar dele, que boa coisa não era. Moral da história: ele fora embora. Com outra. Está casado, dois filhos, empregado numa metalúrgica de renome. E ela? Ela? Ah isso não importa mais. Se teve algo que aprendeu com a vida sofrida foi a não remexer em velhas feridas. Até agora. Porque não queria que o filho cometesse o mesmo erro que ela. "Pegue a Susana e caia fora dessa cidade, meu filho!", ela me disse quase chorando, "antes que ela o destrua."

E não disse mais nada.

Voltou para a cozinha para terminar o almoço. E eu fiquei ali, estático, tentando tomar uma decisão. Só que dessa vez mais perdido do que nunca.


domingo, 7 de julho de 2013

Obra aberta


Ousei.

Fiz um livro
com todos os capítulos ímpares
em respeito a meu protagonista,
um mitológico juiz imparcial.
Pode parecer esquisito
à primeira vista
e muitos perguntarão
porque não usei os números pares,
mas o que importa para mim
não é o significado por trás disso
e sim seu conteúdo enquanto literatura.
Chamaram-me de o novo Caetano Veloso
e eu não gostei
já que acredito que personalidade
é um traço que não se empresta a ninguém.
Prefiro que me leiam
a tirarem conclusões precipitadas
e, principalmente, criarem rótulos
que simplesmente não funcionam comigo.
O que interessa,
no final das contas,
é o livro
(que, por sinal, até agora você não leu)
e que suas palavras repercutam
de alguma forma.
Pode parecer pouca coisa
pra quem está de fora
mas pra quem produz
qualquer reação
é sempre muito.

E aí?
Vai ler ou não?

terça-feira, 2 de julho de 2013

No limite

Tomei bronca de rotina. Aquela mesmice safada de sempre, tudo igual todo dia. Aquela irritante sequência acorda + escova os dentes + tomar café + tomar banho + mudar de roupa para ir trabalhar + pegar o ônibus + bater o cartão de ponto + bronca do chefe porque você chegou atrasado + relatório disso e daquilo e memorando tal e coisa + pausa para o cafezinho + voltar ao trabalho + hora do almoço com os amigos falsos que nunca gostam de rachar a conta + segundo turno do trabalho + a secretária boazuda que está dormindo com o chefe querendo lhe dar lição de moral + outra pausa para o café (essa com direito à atualização sobre as fofocas mais quentes que andaram acontecendo na última semana) + ufa! finalmente terminando o expediente + bater de novo o cartão de ponto + ônibus de volta com cheiro de suor, catinga e passageiro reclamando da vida + entrar emfim em casa e tomar outro banho e ligar a TV para saber aquilo que você já sabe que vai passar porque todo dia é a mesma coisa, portanto, novela ou futebol ou reality show ou algum babaca metido a comediante querendo fazer piadinha no horário nobre.

Então eu grito.

CHEGAAAAAAAAAAAAA!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Mas ninguém ouve. Na verdade ouvem, mas deixa pra lá.  Sabe por quê? Por que eles também já não aguentam mais a rotina. Exatamente como eu. A diferença é que eles preferem continuar fingindo que está tudo bem. Eu não. Pra mim já deu. Daqui pra frente a rotina que se foda. Amanhã mesmo peço as contas naquela merda de emprego, mando a secretária do chefe se foder (coisa que, por sinal, ela já faz com o chefe mesmo!), largo o vício do cafezinho que está afetando minhas noites de sono e me livro daquele maldito coreano dono do self-service onde eu almoço todo santo dia. A única palavra que eu conheço do idioma dele é Harakiri e é o que eu gostaria de fazer com ele. Peraí... Tô falando merda. Harakiri é japonês. Putz! Vou ter de mandar ele tomar naquele lugar na minha língua mesmo e olhe lá. Do jeito que ele é burro como uma porta corre o risco de não entender, aí quem vai ficar puto sou eu, porque faço questão que ele entenda.

Antes de mais nada,

Lista obrigatória a ser seguida para mudar minha rotina:

a) Chega de atender telefonemas de atendentes de call center querendo me oferecer algum plano, assinatura, desconto etc. Danem-se! Daqui pra frente quando elas ligarem direi: "Só ouço a sua proposta se a gente marcar um motel ainda hoje".

b) Chega de TV a cabo. As mesmas séries médicas, policiais, cômicas e épicas de sempre com direito a mulheres nuas, palavrões e piadas sem nexo porque o dublador delas aqui no Brasil é um grande filho de uma puta e consegue estragar todas elas na tradução. Além do mais, na Playboy não sei porquê a nudez parece mais verdadeira e eu posso ver as fotos de graça nesses sites ilegais, internacionais e coisa e tais.

c) Receber os vizinhos carinhosamente com a frase "vão se foder e me deixem em paz!". O último que tocou a campainha queria a minha caixa de ferramentas emprestada. Vê se pode! E o dito-cujo até hoje não me devolveu o serrote que eu lhe emprestei faz mais de seis meses. É um desgraçado mesmo! Não. Vizinho agora só se trouxer um cachê ou comissão para eu ouvir o que ele tem a dizer. Do contrário...

d) Ser meu próprio patrão. Vou ouvir o conselho do meu antigo professor de administração da faculdade: "o futuro é dos autônomos, meu jovem", ele disse certa ocasião e eu, burro, não quis lhe dar ouvidos. Antes tarde do que nunca. Como já percebi que sou bom de escrita, oferecerei meus serviços de ghost writer para estudantes universitários sem o menor talento para a língua portuguesa. Faço tudo: tese, dissertação, artigo, monografia, ensaio, o que rolar tô dentro. Se o contrato for bom, faço até em outras línguas.

e) Chega de carro e de cartão de crédito. Já não bastassem todos os impostos que tenho de pagar, ainda ficar ostentando luxos que só me dão despesa. Tô fora! Daqui pra frente tudo à vista e pago adiantado, de preferência.    

Por ora tá bom. Fica como um Top Five. Se eu lembrar de mais algum, incluo como anexo (Quer apostar quanto que a lista de anexos vai ser maior do que a lista original?).

O importante é mandar a rotina pra puta-que-pariu. Não deve ser tão difícil. Não estou falando de um vício em cigarro, drogas, álcool ou sexo. Estou falando de mudar de hábitos. Será que é tão absurdo assim?

Será que essa parada vai me enlouquecer? Será que já me enlouqueceu? 

Meu Deus! Que mundo cão é esse?!