sábado, 22 de junho de 2013

Criminal story - vol.1

Acordo
e estou sentado
numa cadeira de rodas enferrujada
dentro de um quarto minúsculo
trancado a chave
e minha última memória
data de uma semana atrás
segundo meus cálculos.

Eu estava sentado
numa mesa de restaurante
ao lado da minha namorada.

Pensando bem,
onde ela está agora?

Ela era realmente minha namorada
ou tudo não passava de um plano sórdido
de alguma vagabunda trapaceira
para tomar o meu dinheiro
(no caso, da minha família?)

Eu tento chutar a porta com meus pés
mas não consigo.

Não consigo mexer as minhas pernas.

Estão paralisadas.

O que está acontecendo aqui,
afinal?

Quem me deixou assim,
meu Deus?

Olho ao redor:
uma cama velha,
um pequeno abajur,
uma biblia com as páginas surradas
em cima de um pequeno criado-mudo.

E só.

Não ouço som algum
barulho algum
nada.

Que merda de lugar é esse?

Grito
esperneio
chamo alguém
(quem?)
nada de novo
e de novo
e de novo.

Começo a ficar apreensivo
procuro por algum objeto pesado
para jogar de encontro a porta
mas como?

Não tenho forças
nem para conduzir a cadeira de rodas direito.

Então ouço:
uma música instrumental.

O som vem de longe.

Alguém tocando piano
parece Tchaikovski
(não sou nenhum especialista, mas parece)
grito novamente
a música para
minutos depois ela recomeça.

Girar de chaves na porta
entra um homem
todo vestido de branco.

"Está pronto?"

Fico pasmo
olhando para seu rosto diabólico.

Pronto para o quê?

Ele empurra a minha cadeira
para fora do quarto
e agora estou num longo corredor.

Um corredor interminável.

E por fim
sou deixado em outra sala.

Um outro homem
esse mais gordo
me tira da cadeira
e me coloca numa mesa cirúrgica.

Eu tento agredí-lo
"que droga é essa?"
mas não adianta.

Ele parece um lutador de MMA.

Entra agora uma mulher bonita
cabelos loiros
sorriso da Angelina Jolie
os seios protuberantes
estufando o jaleco.

Pergunta se eu sou alérgico
a alguma substância
e eu não respondo
nem que sim nem que não.

Primeiro porque não sei
e segundo porque não vou ajudá-la
sem saber quais as suas intenções.

Ela me injeta alguma coisa
no braço esquerdo.

Drogas?

"Ei! Parem com isso! Quero sair daqui!"

Eles não me ouvem
continuam o procedimento.

Os olhos começam a pesar
pesar
pesar
até que se fecham completamente.

Acordo...
o quê?
Uma hora depois?
Duas?
Perdi completamente
a noção do tempo nesse lugar
e a voz da mulher de novo:
"o procedimento foi um sucesso".

Que procedimento foi esse?

Consigo mexer minhas pernas novamente
e não tem nada me prendendo
a mesa cirúrgica.

Levanto-me sobressaltado
e vejo com meus próprios olhos
diante de um espelho ali perto
que no lugar onde ficava o meu pâncreas direito
há agora uma cicatriz.

Fui roubado
miseravelmente roubado.

A mulher que estava ali
agora há pouco
fala para um outro médico
"livre-se dele"
e quando corro para tomar satisfações
levo um tiro no meio da testa.

O meu espírito despreende-se do corpo
antes da bala destruir completamente
a função cerebral
e fico vagando ainda ali
na sala de cirurgia.

Aparece a minha ex-esposa
e conversa com os dois médicos.

Recebe um maço de notas.

"Está aqui o combinado".

Então foi isso:
A ordinária vendeu o meu pâncreas
por uma nota preta.

Bem que o meu irmão me dizia
que aquela mulher
ainda iria me levar à ruina
ou à morte.

E eu não acreditei.

Ela olha para mim
depois de guardar o dinheiro na bolsa
e se despedir dos médicos.

Por incrível que possa parecer
ela é capaz de me ver
e quase grita:
"isso, seu desgraçado,
é pra você aprender
a não sair com toda vagabunda
que lhe der na telha.
Filho da puta!
Gostou do jantar
com aquela mocréia da semana passada?
Pois fique sabendo
que ela vai embolsar 20%,
seu púto!".

Ela vai embora
e eu fico ali
sozinho
por alguns minutos.

Até a chegada de uma entidade
que diz ser um anjo
(anjo, não, um arauto)
e que precisa me levar.

Agora.

Sem demoras.

Que jeito!

"Tem casamento nesse lugar?",
eu pergunto.

Ele me olha
sem entender direito
a minha pergunta.

"Porque se tiver eu estou fora, meu caro!"
e o acompanho em direção a uma luz.

Depois disso
não soube descrever mais nada.

E foi melhor assim
porque essa história,
em termos de loucura,
já passou do ponto
faz tempo.

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