terça-feira, 1 de outubro de 2013

A selva grita na minha cara e eu reajo

AC/DC entra janela adentro da minha casa gritando
AAAAAACCCCCCOOOOOORRRRRRDDDDDDAAAAAAA!!!!!!
Eu quase caio da cama apavorado
o que é que está acontecendo, pelo amor de Deus?
No meio da rua uma parada estudantil
reivindicando pela milionésima primeira vez
algum direito constitucional que eles têm
e que mais uma vez não está sendo cumprido pelo Estado.
Que jeito!
Depois que eu levanto não durmo mais.
O café está frio (minha mãe acordou cedo de novo)
as roupas que ela prometeu passar estão em cima da tábua
entro no chuveiro a água gelada martelando os ossos então calmos do sono
pego outra roupa não aquela que eu queria vestir
abro a bolsa em cima da mesa da sala pra ver se os documentos estão dentro
se não está faltando nada
não está
procuro a chave pela casa toda
toda vez que eu chego da farra com os amigos
esqueço onde coloquei a chave
ah! olha lá ela em cima da tv
a porta já estava aberta
minha mãe é foda
ela sabe que essa área aqui é barra pesada
que tem que deixar a porta trancada, mas não...
desço sozinho no elevador
só eu e o maldito barulho da porta batendo
que eu já pedi mais de mil vezes pro porteiro chamar a manutenção e nada
na rua são abraçado por manifestantes
que me prendem bottons me dão beijos abraços panfletos o pacote revolução completo
consigo me desvencilhar deles e entrar no ônibus
pareço até um atleta olímpico disputando salto em distância
o motorista olha pra minha cara, ri e diz:
"essa juventude é fogo"
eu não respondo nada e vou pro fundo do ônibus
55 minutos depois (graças ao congestinamento)
chego à agência publicitária para vender a minha ideia para os clientes
(leia-se: um bando de engravatados arrogantes que detém a única coisa que eu não tenho)
O que é que eu não tenho? dinheiro, lógico!
a reunião é uma merda
ninguém gostou de nada
pediram mudanças em praticamente 80% do projeto
e a secretária ainda teve a petulância
de me chamar de inconclusivo
o que significa exatamente isso?
Termina o expediente depois de intermináveis oito horas
que mais parecem dezesseis
choppinho cai bem
e choppinho é no bar do Demétrius
e onde tem Demétrius tem bate-papo sobre tudo: política, futebol, mulheres, história em quadrinhos
Demétrius é a versão carioca de Zorba, o grego
opina sobre tudo critica tudo puxa o saco do que interessa a ele e ponto final
e eu: só ouvindo
depois de mais de duas horas de um almanaque de críticas e piadinhas as mais diversas
eu puxo o carro e começa a segunda parte da missão: encarar o trânsito
acredita que a manifestação ainda tá rolando?
gente puta da vida reclamando que não vê a hora de chegar em casa
"esses estudantes são um saco! por que não vão pra casa chatear os pais deles?"
a pergunta acima é de uma pobre senhora que trabalha numa funerária (trabalho dos mais ingratos)
e todo dia se questiona se a sua vida pode ficar pior do que já é
eu apenas balanço a cabeça concordando com tudo
nessas horas eu só concordo com tudo
o meu cansaço não permite muito mais do que isso
enfim, casa
enfim, casa?
é ruim, hein?
polícia na portaria do meu prédio
uma mulher do 11º andar se suicidou depois de discutir com o marido
diz a vizinha debaixo dela que ouviu a gritaria toda e que a mulher desconfiava que ele tinha uma amante
era só o que faltava!
eu doido por um banho
justo hoje que tem aquele filme do G.I.Joe na tv a cabo
e agora essa
os policiais querem interrogar todo mundo
não sei pra quê não é suicídio?
eles tão achando que são quem: os agentes do C.S.I?
não teve jeito
eles não quiseram saber que eu passei o dia todo na rua
me inundaram com todo tipo de perguntas babacas sobre uma mulher que eu nem conhecia direito
pra dizer a verdade só vi a tal moradora duas vezes em todo o tempo que ela morou aqui no prédio
uma vez de canga indo pra praia
a outra com uma amiga, acho que era colega de trabalho
e não era uma mulher especialmente bonita
e tinha uma cara de mulher arrogante!
depois de mais uma hora interminável
(não sei o que demorou mais: o interrogatório ou o expediente no trabalho?)
os policiais me liberaram e eu subi correndo pelas escadas mesmo
antes que eles viessem me importunar com mais alguma coisa
ainda tive que lutar com a minha chave que cismou de prender na fechadura
ou seja: mais 15 preciosos minutos perdidos
o dia hoje foi uma merda
nem bem entro em casa telefone toca
meu pai
a velha voz de preocupação que eu já conheço de cor e salteado
"o que é que está acontecendo aí no seu prédio?"
"nada"
"como assim, nada?"
"nada, ora"
"ligaram aqui pra casa dizendo que uma mulher se suicidou"
"eu não a conhecia, pai. era uma moradora. só isso"
"só isso?"
eu apresso o rumo da conversa senão meu banho não sai hoje
mas ele diz que a conversa ainda não está terminada
tá, tá e fone no gancho e eu entrando no banheiro já sem roupa
a campainha toca eu todo ensaboado
vontade de gritar: VAI SE FODER!!!
não falo nada
a pessoa desiste
deixo o banho demorar o tempo necessário para que eu esqueça o dia de hoje
48 minutos foram suficientes
(é, eu cronometrei)
ponho o pijama ligo a tv esquento a comida
esqueci que é sexta-feira
minha mãe está no bingo
obrigado, senhor
paz
é tudo o que eu queria nesse fim de dia
perdi o início do G.I.Joe
maldita suicida!
o resto da noite você já sabe como foi:
o mesmo saco de sempre
nenhuma mulher carente apareceu batendo na minha porta
(a não ser que tenha sido aquela quando eu estava no banho)
nada de novo
tudo mais do mesmo

E pior:
amanhã tem mais (porque sábado eu também trabalho)
segunda tem mais
terça idem
e quarta também
e o resto você também já sabe

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